Ontem estava eu voltando pra casa, sentado no último banco do ônibus, lendo Schopenhauer, bobo como sempre com a visão do Aterro do Flamengo, aquelas árvores todas cobrindo com um tapete verde minha serena volta pra casa, depois de um dia relativamente calmo numa semana nada fácil. Pensando nos meus probleminhas, minha gravura que ficou pronta na loja onde mandei colocar um frame (finalmente vai pra parede, depois de anos aguardando minha boa vontade dentro do tubo); a motoca que não ficou pronta ainda, falta peça, a estréia de Marie Antoinette sexta feira (com que roupa, qual sessão, quem vai comprar os ingressos com antecedência), meu celular novo que não chegou ainda - bah, que saco. Lendo, sorriso leve no rosto - afinal, fora essas bugigangas, nada a reclamar da vida.
Senta do meu lado um sujeito quase da minha idade, moreno, com a caixa de engraxate explanando a dureza da batalha dele. Um pouco sujo, bem magro, um pouco distraído, perguntando aleatoriamente se alguém queria uma engraxadinha. Lógico que eu cruzei a perna esquerda sobre a direita, ocupando o lugar do lado do meu exatamente pra não correr o risco dele sujar meu terno lindo com aquela problemática toda. Logo eu, todo todo com minha gravata de seda azul e meus probleminhas não tava podendo.
Me deu um pouco de vergonha interna porque... somos ambos homens da mesma idade, exatamente com a mesma sensação de perplexidade diante da loucura da vida. Imediatamente me senti tão igual que descruzei a perna e, claro, recusei a graxa. Mas por alguma razão ficou congestionado ali na altura do Santos Dumont e ambos reagimos igual, um tsk de canto de boca meio que desfazendo do trânsito, meio resmungando, meio querendo e não querendo saber a causa da lerdeza dos carros.
Ele sabia que aquele caminho era o expresso, e que, pelo outro caminho - por dentro, pela Praia do Flamengo - era mais devagar. Concordei, peguei um Halls de açaí e ofereci pro meu companheiro de viagem, já que estávamos tão ali, tão iguais, lógico que eu ofereci a mesma bala que peguei pra mim no bolso.
Pensei rápido, mas que saco esse tipo de coisa. Porque tão iguais e tão diferentes? Será que ele tava com fome? Será que ganhou um dinheirinho naquele dia? Será que tá indo pra casa, ou será que tá ainda na batalha?
Tive um impulso de tirar dez reais da carteira e dar pra ele, mas não, um homem que trabalha não aceita esmola. Então... se saltasse no mesmo ponto que eu, lá no início da praia, eu pudesse ir puxando um assunto e parasse pra tomar um açaí era a deixa pra oferecer um pra ele também. Será.
Um trajeto feito em cinco minutos não agüenta tanta dúvida. Chegou meu ponto e pedi licença pra descer. Dei meu sorriso, o de sempre, e nos despedimos. Pensei, bom - não dei dinheiro, nem um açaí, mas trouxe ele tão próximo de mim nessa despedida que talvez tenha valido alguma coisa, já que ele está acostumado a ser invisível para nós, pessoinhas integradas ao sistema com nossos pobreminhas, tão preocupadas com tanta coisa, sem tempo de olhar pro lado e ver que...
Bem, a noite caiu linda sobre a enseada de Botafogo, tomei vinho vendo aquele céu de milhares de cores da minha varanda, e meu celular novo chegou. Hoje acordei novamente dando graças a Deus, por tudo.
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